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Análise crítica do conto "O prémio" de Ungulani Ba Ka Khosa

Olá amigos da internet, tudo bem com vocês?

Hoje eu venho compartilhar com vocês uma análise crítica que produzi na faculdade, do conto O prémio de Ungulani Ba Ka Khosa.

A dor do parto, em O prémio de Ungulani Ba Ka Khosa

A dor é tão primitiva quanto o homem. A dor de dente, a dor de cabeça, a dor de amor a dor de parto. Para Peterson (1996), o parto não é, por natureza, um evento neutro: ele tem força suficiente para mobilizar grandes níveis de ansiedade, medo, excitação e expectativa. No conto “O prémio”, de Ungulani Ba Ka Khosa a dor do parto é retratada de forma profunda e agoniante se dividindo em três momentos cruciais no enredo: antes, durante e depois do nascimento da criança.

A presença da pobreza é visível. Enquanto a futura mãe está deitada em sua cama, repuxando seus lençóis de dor, ela visualiza o interior do quarto. Os cabides vazios, as paredes sem pintura, a lâmpada fundida e as teias de aranha representam muito mais que a pobreza. Representa a solidão. Antes de olhar para os detalhes do quarto ela escuta as pessoas rirem do lado de fora e se sente sozinha. Não porque ele não tem marido, mas sim porque ela é a única que sente a dor. A dor não compartilhada é mais forte.

A narrativa segue descrevendo a dor o tempo todo, comparando-a com elementos externos. “As formigas percorrerem o corpo, sobem e descem pelas coxas, trepam as colinas, atingem o cocuruto, descem, dança, brincam e atiram-se ao rosto” (KHOSA, 1990). A mulher quer gritar, quer que a dor acabe, mas ela ainda persiste em continuar com aquilo, prolongando o seu sofrimento em razão do tempo.

O conto é narrado em um passar do dia, onde podemos perceber a tarde virando noite. Quanto mais escurece, mais a dor fica insuportável. Mas a futura mãe ainda tem de esperar. A pergunta que fica antes do final do conto é: por que essa enrolação toda? Não seria mais fácil correr para o hospital e acabar logo com isso? Não. Para a mãe não. Ela precisava esperar a hora certa. As mães sabem dessas coisas. A hora que o bebê vai nascer. Mas mesmo os cálculos de uma mãe podem dar errado. As vinte e duas horas o pai – que se mostra impotente o tempo todo, fazendo o máximo para ajudar, mas a sua esposa o limita a fazer – aparece no quarto e exclama “Vamos!” (KHOSA, 1990). O pai, que ficou assistindo pelos bastidores a mulher sofrer, já não aguentava mais o sofrimento dela. Por isso teve de exclamar. Já não aguentando mais, ela pede que traga seu vestido azul. A cor do vestido pode ser relacionada à tentativa da mãe de amenizar a dor, já que na África o azul é visto como uma cor que traz positividade e tranquilidade. Mesmo tendo concordado em ir ao hospital, ela ainda arruma maneiras de atrasar o nascimento, fazendo com que seu marido limpe o vômito ao chão. Assim que entra no carro do vizinho, ela já não consegue ver mais nada. Desmaia. A sua próxima visão já é a dos corredores do hospital. E assim tudo parece acontecer muito rápido. A presença de verbo e ponto consecutivos no texto nos passa a sensação de agonia. Percebemos que o sofrimento do nascer acabou quando os verbos e pontos cessam e as duas palavras aparecem no final do parágrafo. “Outro mundo”.

Assim como a sua criança, o dia também nasce. Dar à luz, segundo Birksted-Breen (2000), é morrer para renascer. A enfermeira entra no quarto e diz que ela teve um menino. Estudos da Irlanda dizem que meninos dão mais trabalhos para nascerem por serem maiores que as meninas. Podemos deduzir então, pelas dores e tudo mais que foi um parto difícil. De imediato a mãe pergunta sobre o prêmio. “Ah. O enxoval para criança... Não, a senhora não ganhou. O prêmio é para as crianças que nasceram nas primeiras horas do dia de Junho. O seu filho nasceu às onze e cinquenta e cinco minutos...”. O último momento da dor é revelado. A mãe fica abalada e tudo começa a fazer sentido. Desde as horas que passou a fio sentindo dor até a persistência em atrasar o marido. Tudo foi para que seu filho nascesse em 1º de junho, data em que se comemora o dia mundial das crianças.

O esforço da mãe para tal ato pode ser considerado como ato de amor, ou seja, Amor de mãe. Por serem uma família pobre, eles não teriam condições de comprar um enxoval e quem dirá das outras coisas necessárias para o crescimento da criança. Conseguir o enxoval poderia amenizar não só o sofrimento da mãe quanto o da criança. Ela só queria dar conforto ao filho e ela provou que faria tudo para garantir isso. Não há dor maior para a mãe do que ver o filho sofrer, até porque a dor e o sofrimento do parto são passageiros, enquanto, infelizmente, a pobreza não.

Referências:

BIRKSTED-BREEN, D. The experience of having a baby: a developmental view ‘Spilt Milk’: Perinatal Loss and Breakdown ed. Raphael-Leff, J. London: Institute of Psycho-Analysis [→], 2000.

KHOSA, Ungulani Ba Ka. O prémio. In: KHOSA, Ungulani Ba Ka. Orgia dos loucos. [s.l.: s.n.], 1990.

PETERSON, Gayle Msw. Childbirth: The ordinary miracle: effects of devaluation of childbirth on women's self-esteem and family relationships. Pre-and Peri-natal Psychology Journal, v. 11, n. 2, p. 101, 1996.

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